Um deputado tocantinense chamou, ontem, de vagabundo, um
jornalista, no exercício do seu trabalho diário de ganhar miolho de pão com
miolho de cérebro. As atividades laborais dos parlamentares são bem conhecidas.
Dos jornalistas, idem. No dicionário, Vagabundo é grafado como que não
trabalha ou não gosta de trabalhar, vadio. Já vadio (sinônimo de vagabundo) é
dado no dicionário como preguiçoso, malandro.... Os deputados que têm
residência fixa na Capital - se deram
(como vai nos jornais desta sexta) um reajuste no seu salário: agregaram uma Bolsa Cafofo ou Bolsa Garçoniere ,
como queiram, no valor de R$ 3.429,50, o que equivale a cinco vezes o salário que ganha, por mês, 45 milhões de
trabalhadores brasileiros. Perto de 16% dos trabalhadores recebem menos que um
mínimo.Justificativa: acompanhar o benefício da Câmara dos Deputados. São uns sofistas, eles, na argumentação, como se nota. Mesmo desvirtuados, como uma degeneração do sofismo aristotélico. Lá,
entretanto, quem paga é a União, com recursos federais, do bolo orçamentário do
país, aqui a tunga é nos cofres
estaduais, com os impostos suados,
retirados do consumidor e do produtor de bens, produtos e serviços. A produção legislativa é de conhecimento público. Assim como o valor agregado que dela se aproveita. Aí,
vadiando chega-se ao vadio.
Faço um corte necessário. Há um problema teórico quanto se
discute a sociedade. E ele se concentra em discernir se a população de uma
região deve ter unidade, qual seria
esta, como e quanta. Indo mais adiante, teríamos que enfrentar outra questão: o
que deve ser possuído em comum. O mínimo
comum aceitável (conforme Aristóteles) é o território. O máximo comum rejeitado
seria a posse comum de bens, mulheres e filhos. É claro que a posse comum de
bens encontra eco nas teses do
socialismo, só que subordinada a uma ordem estatal que terminou sendo
desvirtuada pelo comunismo, ao transformar o partido no próprio Estado. Com a
derrota do socialismo/comunismo, nos dias de hoje, e à luz de um regime
democrático emergem dúvidas sobre a legitimidade que teria um poder constituído
de atribuir-se prerrogativas tais que o
autorizassem a apossar-se de bens comuns, agregando-os ao seu patrimônio como
fora particular.
É o caso do aumento de despesas que parlamentares (aqui e alhures) se dão, apossando-se, como tal, de recursos comuns (bens públicos) sem que para tanto consultasse o seu possuidor: a população. De outro modo, a questão, na relação de causa e efeito, transcende o lado meramente econômico e perdulário, ainda que imponha ao comum perdas que agregam, na outra ponta, ativo ao patrimônio individual de suas excelências, como é o caso dessa parafernália legislativa para justificar o injustificável.
O sem-cerimonialismo do que vai hoje nos portais (de reajuste das verbas dos deputados estaduais do Tocantins) excede qualquer limite prudencial. Para além da indecência de se cobrar da população o pagamento de alugueres (quando esta já lhes paga salário, combustível, funcionários, propaganda), ainda assim, por que diabos um deputado teria que morar numa casa com aluguel mais caro que o valor, em tese, desembolsado, pela mesma moradia, por um desembargador, promotor/procurador ou conselheiro do Tribunal de Contas? Com efeito, a medida tomada pela Assembléia concede ao deputado o direito de morar numa casa 55% mais cara que um desembargador, 40% mais valorizada que a do procurador de justiça e 30% melhor que aquela paga pelo contribuinte para a moradia do conselheiro do Tribunal de Contas. A pergunta lógica: qual foi o critério para chegar ao valor da Bolsa Cafofo de R$ 3.429,50? Apenas a proporcionalidade com a Câmara dos Deputados? Como se sabe, os deputados (raríssimas exceções) têm residência própria na Capital, onde desempenham, durante a semana, suas funções.
Ora, se o aluguel é para moradias em Palmas, a equação político-econômica,
sob o ponto de vista da racionalidade, espelha um conflito de difícil
conciliação com a realidade. Se observarmos o mercado imobiliário (nos classificados do Jornal do Tocantins desta sexta, por exemplo) o preço do aluguel de uma casa
de 3 quartos, com piscina, no centro da cidade, varia de R$ 2.500 a R$
3.000,00. Como o deputado mora de aluguel, pressupõe-se que passe os dias
sozinho na Capital e retorne nos finais de semana para a sua base eleitoral,
onde tem sua casa própria, não é verdade? Então, não precisaria de uma casa
assim tão grande. Bastaria uma de dois quarto com suíte. Aí, o preço do aluguel
na Capital (cotação de hoje) está na faixa de R$ 1.300. Como os deputados são
incansáveis defensores dos cofres públicos, certamente escolheriam a segunda
opção, mais em conta, em tese, para o andar de baixo. Resultado: para onde iria
a diferença entre o valor aprovado e o efetivamente gasto com a finalidade
estabelecida? Onde cairiam os R$ 500 que sobrariam da casa com 3
quartos/piscina e os R$ 2.129,00 daquela com dois quartos.
É legal, mas essa
orgia é, certamente, imoral cotejada com o que passa nas casas dos mais de 1 milhão e 300 mil habitantes do Estado
que bancam essa conta, apesar de 11,9% se arrastar na extrema pobreza (só
comparável à miséria na Guiana), IDH de 0,756 (15º no país), com um PIB per capita inferior ao de Roraima,
Rondônia e renda per capita (R$ 512,00), inferior à de Amapá, Roraima e
Rondônia (15º).
Nessa linha sem fronteiras e alheio a tudo que diga bom senso, o Poder Legislativo (aí inclusas as despesas do Tribunal de Contas) teve suas despesas elevadas em 60,49% nos últimos dois anos desta legislatura. Se em 2010, as despesas do Legislativo alcançaram R$ 162 milhões, no ano seguinte (primeira sessão legislativa da atual legislatura) subiu para R$ 208 milhões (crescimento de 28,39%), passando para R$ 221 milhões em 2012 (+6,25%) chegando ao orçamento atual de R$ 260 milhões (+17,64%). Neste período aí, a inflação acumulada ficou na casa dos 12%.
Uma continha básica chega a que o Legislativo, em 2013 (orçamento de R$ 260 milhões), custará R$ 30 mil por hora ao erário do Estado (ou R$ 200 ao ano para cada morador). Consumirá R$ 500 a cada minuto devorado pelo tempo. O mesmo que R$ 722 mil/dia ou R$ 21 milhões/mês. Retornando: vadiando se chega à vadiagem e, com ela, se dá de testa, inexoravelmente, com o vadio, pelo princípio da razão suficiente pura de causa e efeito.