Depois de vários adiamentos, a 4ª Turma da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJ-TO) marcou para esta quarta-feira, 2 de maio, julgamento de recurso de um antigo colono da região em uma ação possessória de terras no município de Campos Lindos (originário da Comarca de Goiatins), uma das mais valorizadas para cultivo de soja no Estado. As áreas em disputa na ação que será julgada no dia 2 são as mesmas que deram origem à Operação Maet, da Polícia Federal (PF), que apurou denúncia de um esquema de venda de sentenças judiciais no Tribunal de Justiça Tocantinense e que, em 16 de dezembro de 2010, levou à prisão três desembargadores do TJ-TO: a então presidente da Corte, Willamara Leila, o então vice-presidente, Carlos Souza, e Liberato Póvoa, além de seis advogados.

O caso é emblemático, porque o resultado do julgamento pode repercutir em outros 288 processos de disputas de terras, num valor aproximado de mais de R$ 10 milhões só em honorários periciais recebidos. Isso porque esses quase 300 processos tiveram a atuação de um perito nomeado judicialmente, cuja falta de habilitação para atuar em perícias demarcatórias de terras está sendo duramente questionada no recurso ao TJ-TO. Isso porque Adalberto Lacerda Almeida, nomeado perito nesta e em outras dezenas de ações, é engenheiro mecânico e, portanto, de acordo com a legislação federal que rege a profissão de engenheiro e suas especialidades, não tem formação para realizar perícia de terras, o que deveria ser feito por outros tipos de profissionais, como engenheiro cartográfico ou agrimensor, entre outros. A ação que será julgada também é objeto de dois pedidos de providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que os trasladou para as investigações da Operação Maet.

A ação se arrasta há mais de 15 anos na Justiça tocantinense. Ela envolve um envolve um antigo colono da região, o agricultor Daniel Clemente de Oliveira, e um produtor rural e proprietário de outras terras, Iakov Kalungin. Este último obteve decisão favorável do juízo de primeiro grau, que está sendo questionada no TJ, por meio de recurso, por Daniel Clemente, o qual aponta uma série de irregularidades, tanto pela não qualificação do perito designado pelo magistrado de primeiro grau para realizar a perícia – que, portanto, deve ser declarada nula – quanto pela falsificação de documentos no processo, entre eles, títulos de terra.

Advogado de Daniel, Tenório César da Fonseca, diz que sua expectativa é de que o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins cumpra a lei. “Só espero que o TJ decida de acordo com o que está estabelecido na lei, que, por sinal, é bem clara, a respeito dos requisitos para realização de perícias desse tipo”, argumenta Tenório. “Ele próprio (engenheiro mecânico Adalberto Lacerda Almeida) admite que não tem qualificação, está nos autos”, acrescenta. Para Tenório, o TJ deve declarar nula a perícia e, com isso, anular todo o processo. “Ou que seja julgado procedente nosso recurso, já que a decisão de primeiro grau está baseada em uma perícia sem valor legal”. 

Falsificação
Documentos juntados por Daniel Clemente ao processo deixam evidente a falsificação do título das terras apresentado por Iakov Kalungin no processo. O título, além de falso, não foi emitido pelo Instituto de Terras do Tocantins (Itertins), conforme comprova a certidão de objeto e pé emitida pelo Itertins, fotocópia do processo administrativo de emissão de títulos que tramitou junto ao Itertins (processo nº 1718/91) e cópia das folhas em branco onde deveriam estar transcritos os títulos que geraram as matrículas. As páginas 97 e 98 do Livro 18 do Itertins, em que deveriam estar registrados os títulos alegados, estão em branco. A defesa alega, juntando documentos, que a falsificação dos títulos é tão grosseira que é possível verificar, visualmente, que as assinaturas nos títulos não foram feitas pela mesma pessoa. Mais: de acordo com as coordenadas geográficas contidas nos títulos falsos, parte das terras supostamente tituladas pelo Estado do Tocantins estaria situada no Estado do Maranhão!

Recentemente, com a crise político-administrativa instaurada no Estado do Tocantins, a questão da emissão de títulos de terra voltou à tona. No dia 27 de março último, o desembargador Marco Villas Boas, do TJ-TO, proibiu a emissão de títulos pelo Itertins. Isso ocorreu depois de ação da Polícia Civil tocantinense, na noite de 23 de março, quando os policiais flagraram os funcionários do Instituto de Terras fazendo uma espécie de mutirão para emitir títulos, diante da decisão do TSE.

Julgamento
Todos esses fatores ressaltam a importância e a repercussão que terá a decisão do dia 11 de abril. O julgamento na 1ª Câmara Cível começou com o voto do relator, o juiz substituto em segundo grau Gil de Araújo Correia (em substituição à desembargadora Maysa Vendramini Rosal), que votou pela manutenção da sentença de primeiro grau. A segunda a votar, desembargadora Etelvina Maria Sampaio Felipe, apresentou voto divergente por entender que o caso é de dar provimento à interpelação de Daniel Clemente para a cassação da sentença. A desembargadora ponderou que o juiz da comarca de Goiatins substituiu o perito então nomeado pelo engenheiro Adalberto Lacerda Almeida, para que ele apresentasse o laudo pericial, inclusive esclarecendo a ocupação da área por ambas as partes, produção e limites tradicionais da ocupação. O resultado da perícia foi impugnado por Daniel Clemente. “Por sua vez, antes mesmo de apreciar a impugnação, o juiz singular sentencial de plano”, observou a desembargadora Etelvina.

Depois de apresentar o voto divergente, a desembargadora Etelvina refluiu e apresentou um voto-vista. Ela ponderou que seria “sensato refluir do voto e converter o julgamento em diligência”. A 1ª Câmara Cível acatou, por unanimidade. Assim, foi determinado que o engenheiro Adalberto Lacerda Almeida apresente sua documentação comprovando que possui qualificação técnica para tanto. O engenheiro apresentou suas alegações, que foram contestadas ponto a ponto pela defesa de Daniel Clemente.

“Expertise empírica não legitima o exercício da perícia”, resume o advogado Tenório César da Fonseca nas considerações sobre as alegações do perito, acrescentando que “para a perícia judicial de matérias de conhecimento reguladas por órgão de classe profissional, a qualificação do conhecimento científico do perito é devidamente referendada pelo órgão profissional competente, o que não ocorre com o perito nomeado no caso”. Por fim, o advogado relata que “mesmo sem ter conhecimento e capacidade técnica”, encontrou o “assustador volume de perícias de agrimensura realizadas por ele, 288 perícias, o que mostra o absurdo e desrespeito constante da legislação vigente e o prejuízo que ele possivelmente causou para as partes”, não só para Daniel Clemente.

Entenda o caso
A ação de manutenção de posse foi proposta em junho de 2002 por Iakov Kalungin, alegando que parte de suas terras no loteamento Santa Catarina havia sido invadida por Daniel Clemente de Oliveira.

No início da ação, a magistrada que primeiro julgou o processo na Comarca de Goiatins negou a liminar para reintegração de posse porque não enxergou elementos para conceder a posse imediatamente a Iakov Kalungin. Ele recorreu ao TJ-TO. Em 25 de janeiro de 2010, o desembargador Daniel Negri, então relator do processo no TJ-GO, negou o recurso apresentado por ele, em que solicitava a liminar para reintegração de posse.

Kalugin e sua mulher alegam que o Itertins expediu título da terra a José Aparecido do Nascimento no dia 12 de março de 1991, e que Iakov e a mulher adquiriram a terra em 2 de fevereiro de 1993, através de escritura pública de compra e venda. Argumentam ainda que Daniel Clemente invadiu o imóvel em maio de 2002. Daniel e sua mulher, Fátima Aparecida Crivelari, comprovam nos autos que compraram a terra de Ulisses Moreira Milhomem Júnior, que, por sua vez, a adquiriu do Itertins, conforme mostram documentos nos autos.

Baseado na perícia realizada por Adalberto Lacerda Almeida, o magistrado de primeiro grau deferiu a ação proposta por Kalungin, determinando que ele fique cm a posse da terra. Inconformado com a decisão de primeiro grau, Daniel Clemente recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJ-TO), onde seu processo foi distribuído para a 1ª Câmara Cível. Ele apresentou documentos que comprovam a posse produtiva da área reivindicada e também as provas de irregularidades no processo: a perícia realizada por um engenheiro mecânico, Adalberto Lacerda Almeida, não habilitado para tal e irregularidades em documentos do Instituto de Terras do Estado do Tocantins (Itertins), entre outras razões.

Incapacidade
Em outubro de 2014, o juiz da Comarca de Goiatins, Luatom Bezerra Adelino de Lima, substituiu o perito que estava no caso por Adalberto Lacerda Almeida, que se apresenta como engenheiro e perito judicial. Daniel apresentou pedido de impugnação do perito por ele ser engenheiro mecânico, quando, para executar esse tipo de perícia, deveria ser engenheiro cartográfico, engenheiro agrimensor, engenheiro de geodésia e topografia ou engenheiro geógrafo, conforme determina a Resolução 218 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).

Os advogados de Daniel Clemente oficiaram o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-TO), que informou que há no Estado do Tocantins 98 profissionais (engenheiros) com habilitação para realizar perícias de terras no Estado, conforme a Resolução do Confea, dos quais 1 em Campos Lindos.

A defesa oficiou novamente o Crea, questionando sobre a validade das perícias realizadas por perito engenheiro mecânico. Em resposta ao questionamento, assinada por Euclides Muniz da Silva, líder da Divisão de Registro e Cadastro do Crea-TO, no dia 2 de maio de 2015, a autarquia federal informa que “engenheiro mecânico não possui atribuições para execução de serviços na área de topografia” e que “se o profissional não possui atribuições para a área e não anotou a devida Anotação de Responsabilidade Técnica, o documento em questão é inválido”. Não consta dos documentos juntados ao processo essa ART. Importante destacar que no início do processo, Adalberto se apresentou apenas como engenheiro e perito e só ao final a defesa de Daniel Clemente tomou conhecimento de sua não habilitação para atuar no caso.

Com efeito, a mesma Resolução 218 do Confea define que “compete ao engenheiro mecânico o desempenho de atividades referentes a processos mecânicos, máquinas em geral, instalações industriais e mecânicas, equipamentos mecânicos e eletro-mecânicos, veículos automotores, sistemas de produção de transmissão e de utilização do calor, sistemas de refrigeração e ar-condicionado e seus serviços afins e correlatos”.

A Lei 5.194, de 1966, que regula a profissão de engenheiro, define que incorre em exercício ilegal da profissão “o profissional que se incumbir de atividades estranhas às atribuições discriminadas em seu registro”.

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