O debate que se dá acerca da MP 026/2013 não poderia ser
símbolo mais expressivo do momento político por que passa o Tocantins, caracterizado no
princípio fascista de que o Estado é o controle e a medida. De forma sistemática, percebe-se, nesta quadra da história do Estado. Primeiro pela
relação indecente entre deputados e o governo, desvirtuando competências e
diminuindo, moralmente, os poderes Legislativo e Executivo, não sem o
consentimento, ainda que subliminar, de parcela do Judiciário. E, em segundo plano, não menos relevante, a proposital aporia estabelecida pelos
envolvidos no sentido de confundir, a seu modo e objetivo,
a população entre o necessário e o contingente.
Ora, pela Constituição do Estado, a MP 026/2013 não existe
legalmente desde o dia 28 de janeiro de 2014. E sobre isso não há qualquer
dúvida quando determina no Artigo 27, §
4º, da Constituição do Tocantins que, se as medidas provisórias não forem
convertidas em lei, no prazo de 30 dias, a partir de sua publicação, perderão a
eficácia desde a edição. A MP 026 foi
publicada no DO no dia 28 de dezembro de 2013!!!!
Esse mesmo dispositivo está na Constituição de outros Estados como Acre, Santa Catarina e Piauí. Como são Estados criados antes do Tocantins, supõe-se que o texto tocantinense tenha sido copiado, literalmente, das Constituições daqueles Estados, até mesmo nas vírgulas, o que dá bem a idéia da improvisação que foi a elaboração da Constituição tocantinense em 1.988 quando Siqueira Campos governava o Estado e determinava o que a Assembléia deveria legislar. Com agora.
O que levaria, então,
parlamentares a realizarem um audiência pública (na próxima segunda)
para discutí-la? Discutirão, objetivamente, algo que não tem qualquer validade
no âmbito do processo legislativo e jurídico? Que
resultado prático se teria do debate que não uma mudança no texto da Medida Provisória
em questão, para o Executivo remeter nova MP com as modificações, coisa que
obrigatoriamente teria o governo que fazer, a seu ônus, para viabilizar o reajuste já que MPs não
podem substituir literalmente, com o mesmo assunto, outra que não tenha sido aprovada ou que
tenha perdido validade? Temos exemplos recentes disso aí: lembram-se das
Medidas Provisórias 012/2013 e 04/2014? Esta modificando aquela no que tinha de
vício. Ou: modificando-se a primeira para alterar-lhe o objeto.
Justamente por isso, é dado inferir, o presidente interino da Assembléia, deputado Osires Damaso, tenha tentado mandá-la (a MP 026) a plenário para votação sem
passar pelas comissões, contrariando o Regimento Interno do Legislativo, numa forçada de barra de mesma intensidade que
são as MPs, originárias dos decretos leis do regime militar. Ora, o STF, naquela Adin Ação Direta
de Inconstitucionalidade 812-9/TO, decidiu liminarmente (isto mesmo, de forma
liminar) que o Tocantins poderia editar medidas provisórias porque elas estavam
previstas na Constituição Estadual de 88.
Como se nota, a Constituição do Tocantins é anterior à Emenda Constitucional 32/2001 que estipula as
condições para as MPs. De forma que se o
governo e a Assembléia não tiverem adequado a Constituição Estadual à EC, como
é o caso, todas as medidas provisórias editadas a partir de 11 de setembro de
2001 pelo governo são consideradas
inconstitucionais porque estará em desacordo com a CF. Quer ver uma delas? Na CF com a EC 32, as MPs têm validade de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Na Estadual, é 30 dias, sem qualquer menção a prorrogação!!!!
Como se isto não bastasse por si só, tanto a CF como a EC são claras quanto ao propósito da Medida Provisória, considerada uma exceção ao Princípio da Separação de Poderes, sendo assim utilizada dentro dos limites previstos na Lei. E o que diz lei: permitir ao Presidente da República (e por similitude a governadores) em situações extraordinárias (relevância e urgência) atropelar a competência legislativa do Poder Legislativo. É de se indagar, que relevância e urgência existiriam no reajuste de até 1.500% de taxas cartoriais?
Na verdade, governo e deputados, Executivo e Legislativo, expõem os paradoxos ainda presentes em democracias frágeis. Muito bem representado no recuo a partir de pressões de entidades de classes (e não dos parlamentares). No caso, grupos e não indivíduos, são os protagonistas da vida política. Não existe mais o povo soberano (daquele princípio um indivíduo um voto), composto por indivíduos que adquiriram o direito de participar direta ou indiretamente do governo. Inexiste, com efeito, povo como unidade ideal, mas apenas povo dividido por grupos concorrentes com relativa autonomia no governo. Os indivíduos perderam, na prática, sua autonomia. A representação politica dos deputados passou a ser, contraditoriamente aos princípios democráticos, apenas instrumento de defesa de interesses particulares do representado, criando no Legislativo um mandato vinculado a interesses privados.
Resumo: ao tratarem sobre a possibilidade de uma audiência pública sobre uma Medida Provisória que já caiu, que não tem mais efeitos legais, deputados e a sociedade política terminam por auxiliar o governo. É um erro de foco que contribui para a manutenção da confusão estabelecida pelo Executivo, Legislativo e parcela do Judiciário sobre o necessário e contingente. Trocando em miúdos: desviam-se do principal, que é urgência da necessidade do reajustes das taxas cartoriais nos índices e forma colocados, analisadas as contingências em que eles são propostos. É mesmo necessário ou apenas movidos por eventuais contingências políticas e econômicas.