Antes, um lembrete. Sigo aqueles que veem na falta de entendimento, estupidez; não aplicação da razão, uma patetice, falta de poder de julgar, parvoíce e perda da memória, uma alienação. E como diria Schopenhauer, a verdade opõe-se ao erro que é a ilusão da razão, assim como a realidade tem por contrário a aparência, que é a ilusão do entendimento. O prefeito Carlos Amastha, informa-se, tenciona mudar a sede da prefeitura, deixando o Paço Municipal pela Avenida JK, ali na área de bancos. E o prédio já estaria escolhido: um imóvel de propriedade de um dos donos da maior empresa de transporte urbano da Capital, que já pleiteia reajuste nas tarifas e um dos financiadores do carnaval da cidade que o prefeito resiste em prestar contas. Nas redes sociais (por onde também trafega o prefeito) pipocam espasmos de indignação fundadas em, basicamente, quatro pretextos:1) aumento de gastos para o contribuinte,numa cidade com tantas necessidades; 2) desimportância dada ao valor histórico do Paço Municipal; 3)logística do centro da cidade e 4)as relações empresário x poder público.
Evidentemente que são todos questionamentos óbvios (e legítimos) que impõem resistência à afirmação recente do próprio prefeito de que não voltaria atrás em decisões administrativas, como é o caso. Se mudar, estaria firmando o conceito de que estaria administrando a coisa pública pela perspectiva da contrariedade do objeto colocado. E aí emergeria o arbítrio, manifestada na imposição de uma vontade pessoal como se fosse coletiva. E não da singularidade que é o exercício do poder público. O vício é de origem. Como o Executivo detém maioria na Câmara de Vereadores que, em tese, seria o instrumento de fiscalização de suas decisões, o negócio só não acontece se houver resistência popular. Daí que a cidade é obrigada a estabelecer à margem dos seus representantes - um muro de arrimo todos os dias como se tivesse colocado para administrar seus recursos e na defesa de seus interesses, inimigos (exceções a parte) a serem combatidos diariamente.
Na verdade não me surpreendo com isto. Os conceitos emitidos pelo prefeito na campanha já davam a direção que ele segue. No fundo, Amastha está sendo coerente com o que pensa. E não com o que fez com que a população pensasse que pensava. A eleição do empresário foi, com a ajuda de muita gente que hoje mostra indignação, a colocação em prática da ilusão da razão e do entendimento. Opondo-se à verdade, como o erro. E isto o mostra todos os dias. Senão vejamos: o então candidato teve como mote de campanha a construção na Capital de shoppings a céu aberto. Um deles seria justamente ali na JK e adjacências, onde, informa-se, quer colocar a sede do Executivo.Ora, Amastha é um empresário de sucesso, que ficou rico implantando shoppings, mesmo financiados com dinheiro público, como o faz a maioria dos empresários. Só no Tocantins são dois (o Capim Dourado e o de Araguaína, em construção). Daí, é provável, em função de sua origem, fique mais acomodado administrando a cidade de dentro de um shopping, por dele não desejar (ou não poder) psicologicamente sair. Por que, então, não unir o útil ao agradável? Como não pode fazer isso, legalmente,Eureka! nada melhor que levar a estrutura da prefeitura para dentro de um shopping a céu aberto (que ele mesmo projeta) como o que prometeu construir ali, apesar dos imensuráveis problemas de logística e da confusão que vai provocar no sistema viário da cidade.
Como se infere, há uma confessada intenção de administrar a coisa pública da
mesma forma que se leva os negócios. E não se pode dizer que Amastha tenha
surpreendido alguém que raciocinasse acerca de suas contradições e paradoxos,
transformados em virtudes mais pela falta de substância da retórica de seus
adversários que por seus próprios méritos, alguns claramente controversos. Essa
contrariedade aos princípios republicanos e democráticos, ademais, foi uma das
promessas de campanha, lembram-se? Contra os políticos e a favor de uma nova
administração, como ele levava os seus empreendimentos, recordam? Ele agora
apenas pratica o que, antes, sensibilizou os tais formadores de opinião, com
ressonância nos eleitores. Há, evidentemente, ações/decisões positivas como a
fiscalização na concessão de quiostes, IPTU, limpeza de ruas, energia (até no
pagamento de sepultamentos onde Raul Filho teria gasto, pelo que a prefeitura
informa, R$ 3 milhões). São decisões técnicas que, entretanto, encobrem
problemas sociais maiores, que deveria ser objeto de combate pelo poder público,
alguns provenientes de uma veia autoritária, a mesma que impõe leis e deveres
inconstitucionais aos cidadãos da cidade. Por exemplo: a prefeitura está
perseguindo ambulantes como se combatesse flanelinhas no estacionamento de um
supermercado, numa cidade com desemprego em alta e onde as pessoas tentam ganhar
nas ruas o sustento por falta de colocação no mercado. E isto é muito claro.
Diz-se que se vê a miséria de uma cidade (falta de emprego) quando proliferam
ambulantes e vendedores de espetinhos pelas ruas e esquinas. As ruas de Palmas
estão tomadas por eles, do centro aos bairros. E a prefeitura os combate sobre a
ótica privada quando o correto seria combater a causa e não o efeito.
Lá atrás, no ano passado, poder-se-ia dizer que as movimentações do então
candidato seriam ilusões da razão, a prevalência do erro sobre a verdade, a
supremacia da aparência sobre a realidade. Hoje não. Não há o que se questionar.
O erro prevaleceu, pelo visto, sobre a verdade e, agora, não contestado, pode
transformar-se na própria verdade em si. E o que era apenas uma aparência, se vê
real, puro, cristalino nas decisões do Executivo. Nada que não fosse esperado
diante da visão do sujeito e do objeto, da contradição entre o idealismo e o
realismo, persona e personagem. Raul Filho deve estar sorrindo na beira do lago.
Quando o ex-governador Carlos Gaguim prometeu entregar o prédio novo da
Residência do Governador para a sede da Prefeitura, foi um Deus nos acuda. E
olha que era uma doação, sem custo. Os movimentos sociais,aí incluso os tais
membros da academia da UFT, arquitetos e planejadores urbanos, foram à luta
contra a mudança que alterava, sobremaneira, a orientação do Plano Diretor.
Cairam de pau em Gaguim e Raul. Amastha quer mudar a prefeitura para a Avenida
JK, o metro quadrado mais caro da cidade, sem estacionamento, e não se ouve uma
vírgula daquele valente pessoal que defende o Plano Diretor.