Encontrei-me com Roberta (não sabia até então seu nome) na ante-sala da UTI do Hospital Osvaldo Cruz há pouco mais de 20 dias. Estava eu apreensivo quanto ao estado de saúde de  minha mãe. Internada, aos 80 anos, pela segunda vez em menos de ano, na UTI do hospital. Um diagnóstico prosaico de pneumonia mas que tem matado muita gente no Tocantins, jovens e velhos. E Roberta estava ali, entendi logo o motivo quando passou à minha frente a maca empurrada por dois médicos com um paciente que acabara de passar por uma cirurgia.

Era o companheiro de Roberta,percebi: o médico Pedro Caldas que conhecia por notícias e que, como a maioria das pessoas, sentia-se afetado pela tragédia com a família e a irresponsabilidade de uma garota que tinha certamente também sua família. Aliás, meus amigos: Malba Costa, a mãe e Leonardo Fregonesi, o pai, um grande amigo que costumávamos (eu e muitos) a frequentar sua casa todas as sextas por anos seguidos.

O mesmo Leonardo que nos deixou abruptamente acometido de um infarto enquanto jogava tênis. O melhor dos finais de tarde das sextas-feiras. Iolanda era uma criança. Fregonesi, um advogado tão inteligente como competente e honesto. Malba uma cantora  maravilhosa. Mas pais não definem destino dos filhos. Quando  muito, os orientam. Fico a imaginar o Fregonesi diante de uma situação dessas em que um de seus braços causasse a morte de uma pessoa. E de forma tão irresponsável quanto inconsequente. Ele que vivia do direito. E era  um homem direito que respeitava causas e consequências. Pragmático e cartesiano.

Mas ali estava Roberta, parecia sozinha o que contrastava com a força que demonstrava e o quadro que enfrentava. Animava-se com a recuperação companheiro Pedro. Os médicos achavam-no reagindo, dizia ela, porque todas vezes em que ela falava com ele na UTI (em coma) a pressão de Pedro aumentava. Uma nesga de esperança. Uma reação positiva. Disse-lhe que Pedro era jovem e forte. Ela contrapunha que falava com ele (mesmo inconsciente) para não deixá-la sozinha cuidando dos filhos. Uma pessoa leve que talvez observasse em  mim segurança para, de certa forma contar o que se passava, sem medo de que isto ganhasse as ruas. Ainda que não me conhecesse. Talvez enxergasse também o drama pelo qual eu também passava. As pessoas se unem na dor.

Mas era um Roberta confiante, o Pedro que passava a nossa frente acabara de fazer uma cirurgia para retirar do corpo parte dos ossos do crânio ali colocados até recuperação. Pedro estava com febre e poderia ser uma infecção. Escutei os cirurgiões ali, à minha frente, informarem à Roberta que poderia ser mesmo esta a causa da infecção e que, agora, estaria controlada. Estava tudo bem, disseram os médicos. Vi ali que Pedro estava bem, era forte e se recuperava. Um atleta.

Uma semana depois, ainda numa dessas visitas na UTI, onde ainda estava internada minha mãe, presenciei médicos confortando o pai de Pedro Caldas. Hoje descobri que chama-se Luciano Caldas, um médico com jeito de escritor, não só fisicamente com aqueles cabelos brancos e óculos de armaduras redondas e pretas, mas no que escreveu após a perda do filho. Achavam que teriam-no perdido. Era uma situação forte. Demoraria mais dez dias para que se confirmasse oficialmente o óbito de Pedro Caldas.

Do lado de fora do hospital, os veículos de comunicação disputavam notícias sobre Pedro. Via aquela situação como um drama familiar. Como o que eu passava com a minha na UTI do Hospital a poucos metros de Pedro Caldas. Entendi aí os motivos de na segunda-feira anterior, dois dias antes, os médicos da UTI não conversaram com os parentes dos pacientes, ai eu incluso. Pedro Caldas tinha dado uma recaida, retiraram-no do coma e as coisas não deram como se esperava. Clima tenso na UTI. A mesma preocupação e sentimentos que as pessoas aqui fora tinham quanto ao estado do  médico, eram certamente compartilhados pela equipe médica e enfermeiros da UTI. Presenciei isto muito claro.

Pedro foi a óbito ontem. Duas semanas e meia após ter contato tão próximo com o seu drama e de sua família que optei, por questões óbvias, não compartilhar. Como não compartilhei com os leitores o meu, mantendo o mesmo ritmo de artigos neste espaço quando passava por circunstâncias que me afetam de forma inequívoca: minha condição filial.

 Sem contar que, como contou-me Roberta na ante-sala da UTI, teriam filhos. Um deles, de nome Liz, o mesmo nome da minha filha Lis, uma guerreira que venceu uma leucemia. Estava do outro lado, como vim a constatar, uma família forte. E por trás de Roberta (que não sei sequer o sobrenome), uma mulher franzina, mas uma guerreira, à altura de Pedro Caldas (que não conheci pessoalmente)mas que conquistou o coração de tanta gente com seu drama. Inclusive o meu. Uma familia intensa como poucas que se vê nos dias frívolos e fluídos de hoje. Talvez, aí, a explicação para tanta dor espalhada e compaixão de muitos que, até então, não o conheciam, como eu. 

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