Um cidadão que observasse de fora a administração pública no
Tocantins certamente não entenderia nada. Para combater decisões ilegais do
governo passado, o Palácio Araguaia praticou outra ilegalidade. Anulou, por
decreto, leis que beneficiavam servidores
e elevavam as despesas da administração. Diante da situação, o governo
parece ter calculado a relação custo/benefício e apostado nas medidas (decreto,
como se sabe, não pode anular lei, conforme
a CF) para ganhar prazo e possibilitar condições de governabilidade, pois não se imagina que o aparato jurídico de
Marcelo Miranda ignore o fato. Vai enfrentar um caminhão de ações na justiça,
mas até lá pode ganhar fôlego e colocar as finanças em condições, pelo menos,
administráveis e retomar a normalidade administrativa.
Foi uma decisão corajosa, não resta dúvida. Em oito
decretos, o governo anula praticamente todos os benefícios concedidos aos
servidores (bombeiros, militares,
policiais, delegados, servidores da Fazenda e outros) em 2014 pelo governo anterior. Uns
escandalosos, como mudança de estrutura de cargos por portaria e outros
flagrantemente ilegais, pois concedidos contrariamente ao permitido pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (fora do prazo legal), agravado pelo fato de
administração ocupar os primeiros lugares no país no comprometimento de mais de
60% da receita corrente líquida com funcionalismo (o limite é 49%).
Uma farra com os recursos públicos. E não tem ninguém, até
agora, sendo acusado de nada podendo o Tribunal de Contas, pela inércia
política, até mesmo aprovar contas tão irresponsavelmente conduzidas (mantidas,
estima-se, a administração entraria em
colapso na metade do ano), que legaram uma dívida de R$ 4,3 bilhões, sendo mais de R$ 1 bilhão com fornecedores
(restos a pagar), ainda que as receitas em 2014 tenham apresentado um
crescimento de 15,18% em relação a 2013 (R$ 8 bilhões contra R$ 6,9 bilhões).
Além do confronto ideológico e moral (fazer o que condena
explicitando que os fins justificariam os meios) e que pode diminuir-lhe a
essência mudancista - o governo não terá facilidades com os servidores que se
viram prejudicados mas que podem ser levados a diminuir o ânimo de revolta
popular pelo simples uso do bom senso e da razão que os números da administração,
indubitavelmente, exigem sejam refletidos.
Pode, por outro lado, o governo, obter apoio, entretanto, dos outros 1,3
milhão de pessoas que moram no Tocantins e que dependem do que o governo lhes
proporciona na prática de serviço público na saúde, segurança, educação,
transportes e tais - , situação que pode refrear o ânimo da maioria
oposicionista no Legislativo em fazer uso do processo como uma disputa
político-partidária.
O momento é crítico. E, ao contrário de anos anteriores, a população está perfeitamente ciente do grau de irresponsabilidade como a administração foi tratada, fato comprovado pelo próprio resultado eleitoral. Além disso, ir contra medidas tão saneadoras quanto necessárias pode não ser uma boa estratégia política. Não à toa, participaram da apresentação das medidas ontem no Palácio Araguaia os representantes do Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública. Alguns deles, em tese, quedaram-se inertes quando o Palácio Araguaia praticava as ilegalidades agora anuladas por uma nova ilegalidade que, parece, consentida.