Dia de todas as almas. Queria hoje ser um brama, sem nascimento nem perecimento. E não pensar no que me transformarei  quando deixar de ser. Da mesma forma que não tenho qualquer evidência (ou tivesse interesse em saber) do algo que tivesse sido quando ainda não era. Invejo, neste aspecto, no bom sentido, os indianos que confiam na morte e ainda assim a desprezam.

Trato os que se vão como se não tivessem ido, porque efetivamente de dentro de nós não saíram. Ainda que o  cristianismo primitivo e sua narrativa controversa tente, indefinidamente, nos cultos e celebrações cristãs, impor a sua engenharia reversa.

Curiosamente uma narrativa fundada na ressurreição. Ou seja, a pessoa morre, mas não morre. Uma contradição. E aí o sacrifício do morto seria uma trapaça dado que teria se sacrificado pelo perdão dos pecados da espécie. E não teria morrido de fato. Um antropomorfismo latente, levando-se em conta seus desdobramentos posteriores.

Disto, outra proposição: seriam todos os mortos, a priori e a posteriori,  objeto de um sacrifício ou haveria discricionariedade na aplicação da pena ou no sentido que se lhe queira dar. Senão, porque dedicar-lhes orações que, não raro, deixam de ser por ele e sim para ele, uma diferença relevante quanto a sentido e objeto.

E aí se cria o dia das almas que, como se sabe, tem a finalidade de ajudá-las a sair do purgatório. Daí deduzir-se que depois desse lugar os sacrificados não mais necessitariam de orações. De outro modo: mortos definitivamente. Ou vivos. Mas sem ressurgir aos vivos que os acolhem no pensamento intencionalmente pio e amoroso.

Como deveriam estar os mortos de Santa Maria que rezavam ontem para os mortos de que se lembravam , sem qualquer proteção divina,sem saber que também estariam celebrando a si mesmos dali a instantes. Ou um aposentado morto atropelado no final da tarde  também ontem em Porto Nacional, após lavar os túmulos dos familiares no cemitério local, preparando-os para a celebração desta quarta, quando também para ele rezarão hoje.

Imagino que o cristianismo não orasse pelos mortos que fez nas cruzadas, pelos judeus massacrados por não negarem sua religião judaica em favor do cristianismo, ou mesmo por que  descobertos fingindo uma adesão à narrativa cristã que de fato não se dava.  Ou por aqueles que ainda hoje excomunga por discordarem de princípios irrazoáveis, firmados em narrativas descritas por iletrados, dezenas de anos após os supostos fatos.

Ou mesmo não fizesse orações por aqueles sacrificados em nome da religião. Pais que sacrificavam filhos primogênitos, como a narrativa histórica cristã é pródiga em registros. E não tivesse constrangimento, como não o tem, de levar adiante uma história de antropofagia onde se bebe o sangue e se come o corpo de alguém para que se dê a purificação do espírito.

Devemos enterrar nossos mortos, literalmente, se a questão é tratá-los como se vivo estivessem, como se ainda existissem em algum outro plano que se acredite mais por não se comprovar que não exista, do que por provas que efetivamente conduzam a conclusão de sua existência.

No mundo dos vivos, na cidade de  São Paulo discute-se, no atual momento, a privatização de cemitérios e, no planeta cristão, milhões de dólares serão gastos nesta quarta, com a comercialização de velas, flores, missas, cultos, doações, práticas mundanas e até profanas que, na realidade, dão uma cara ao dia das almas: mortos-vivos. Como a ressurreição, mola propulsora do cristianismo, que prega que a vida ocorre não é quando se está vivo. Mas depois, na morte. Faz, portanto, algum, sentido, como se nota,  o dia das almas.

 

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