Como já escrevi aqui,
a decisão do governo de anular decisões do governo anterior e suspender a
aplicação de leis por decreto é indubitavelmente inconstitucional. Usurpa os poderes do legislativo, afronta a
hierarquia das leis. Como se não bastasse, no caso específico,
o governo anunciou que estaria suspendendo até julgamento de ações judiciais
que ainda não havia impetrado. Invertou a relação de causa e efeito, criando um
vácuo entre a suspensão e a ação que substancia seu fundamento. O depois precedendo
o antes.
É um argumento extremamente
frágil, do ponto de vista técnico, que
pode levar a estratégia governista de convencimento da população e servidores
ao descrédito, caso nela a administração persista, como se tem notado nas
movimentações da Procuradoria do Estado,
que insiste na legalidade das medidas, mais na desconstrução de suas
críticas e dos críticos que na demonstração concreta de sua validade jurídica.
E aí municia a oposição no Legislativo.
A questão, com efeito, é mais política que técnica. O
colapso administrativo requer decisões cirúrgicas e imediatas, sem prejuízo da
observação do estado democrático de direito. No caso das benesses a servidores
(ainda que algumas representem direitos trabalhistas) não se concebe um Estado
gastar 64% de todas as suas receitas com salário de 3% da população (43 mil servidores), ficando os
outros 36% para custeio, investimento, saúde, educação, transporte, arrecadação,
ação social, fomento à indústria, comércio e turismo, amortização de dívidas,
pagamento de contrapartidas, manutenção de prisões, aparato militar e segurança aos outros 97% dos moradores. Só mesmo uma gestão irresponsável que apostasse na impunidade para criar (e manter) uma situação dessas.
Marcelo Miranda, nas atuais circunstâncias, tomou a decisão
que entendeu necessária. Mesmo que questionável, do ponto de vista jurídico. É provável que as notícias-crime contra ex-gestores possam levar preocupação e dar trabalho a seus
adversários, arrefecendo um pouco o ânimo de sua oposição na Assembléia, poder
certamente atingido pela negação das leis que aprovou. Mesmo que não se tenha como certo que provoque
algum desdobramento na área criminal, desvia o foco que passa do questionamento
das medidas governamentais, flagrantemente inconstitucionais (como também o são
as leis do governo anterior questionadas) para o sujeito da ação questionada.
Concedendo mais prazo à administração
para estabelecer condições de governabilidade.