O leitor que me acompanha no Estado há mais de três décadas (desde o jornalismo impresso) tem conhecimento da minha oposição à idéia de uniformidade e conformidade na política e gestão pública. Alio-me à tese de Benjamin Constant (o escritor e pensador francês do Sec. XIX).
E por quê? Nos nossos dias, a idéia de conformidade e uniformidade expande os poderes do Executivo e do Legislativo negando os contrapesos do Estado republicano. Regime que vigora no país democrático. E a unanimidade traz malefícios maiores do que a diversidade. Leva ao despotismo.
Tenho muito aqui alertado que o desempenho do governador Wanderlei Barbosa (o melhor desempenho fiscal em mais de 30 anos de Estado) pode, paradoxalmente, prejudicar seu projeto político pela idéia de infalibilidade que o êxito cria nas pessoas. Como diria Friedrich Nietzsche: humano, demasiado humano.
Depois de dez dias fora do Estado, Wanderlei ontem reuniu os deputados estaduais no gabinete e chamou-os de amigos. As circunstâncias imporiam alguma prudência do Chefe do Executivo. As relações entre o Legislativo e Executivo devem ser civilizadas, mas institucionais e não de amizade. Dentro do Palácio oficial do governo, a prudência deveria ser maior ainda.
Como o deputado Nilton Franco (que criticara a PGE um dia antes no subteto) não compunha a foto, haveria lugar para o raciocínio de que tivesse sido mudado de lado, para inimigo. Outros deputado também não aparecem na foto. Mas a maioria está lá.
Nilton Franco deixaria de ser um deputado legitimamente eleito? Não representaria a população por divergir do governo? O governo é do governo? Aponto isto só para efeito de raciocínio, não se sabe de Nilton os motivos de sua ausência. Apenas se o presume pela intensidade da régua dos afetos em curso.
Da forma como colocada, entretanto, não haveria qualquer diferença entre os poderes. E tanto faria os eleitores terem eleito governador e deputados ou os mandatos tivessem sido concedidos por corporações. Ou eles se comportassem como uma confraria de confrades eleitos.
E quais são as circunstâncias: o governo autorizou os deputados a aumentar suas emendas parlamentares em R$ 60 milhões (2024), deu sinal verde ontem para aumentar em 40% os salários dos deputados (travestido de reajustar funções nas comissões onde todos os deputados participam) e eliminar o abono de permanência no Legislativo. Legislativo não pode criar despesas sozinho sem autorização do Executivo. Ainda mais de caráter continuado.
Deputados e até secretários com desconhecimento da legislação que criam, expressam que só terão abono de permanência eliminado os servidores do Legislativo. Não explicam por que motivos a discricionariedade. Na tese política, lógico, uma coisa compensaria a outra. E como o servidor é a parte mais frágil..
Não é verdade. Se retirar do Legislativo a lei obriga o governo a tirar também de todos os servidores. Você aí conhece certamente o princípio da isonomia. Uma casa de marimbondos para Wanderlei Barbosa.
Só o reajuste dos deputados irá consumir mais R$ R$ 4,1 milhões anuais adicionais. Os salários dos parlamentares passarão dos R$ 33 mil (a partir de fevereiro/24/a equiparação do STF) para R$ 46 mil (com a gratificação).
O reajuste termina por driblar o teto do STF que, por lei aprovada pelo Congresso e depois no próprio Legislativo do Estado estipula um salário de R$ 33 mil para cada deputado estadual do Tocantins a partir de fevereiro de 2024.
Tanto as emendas quanto o reajuste dos deputados são novas despesas obrigatórias de caráter contínuo. Ou seja, terão R$ 13 mil a mais todo mês acima do teto constitucional. Um sobreteto quando resistem ao teto no funcionalismo.
No meio disso tudo, o governo isola os do subteto. Já mandou uma PEC (2022) e a retirou. Os deputados deram uma mãozinha e Amélio Cayres (com outros) protocolou PL para aumentar o salário do governador (tentando driblar o subteto). Mas mantendo a relação.
São os servidores que tem salário acima do salário do governador (mas não tem cartão corporativo e despesas pagas pelo poder público). Salários maiores, é verdade, mas aprovados por leis do Executivo e Legislativo (concursos e planos de cargos). O governo contabiliza o salário bruto como despesa mas se apropria da diferença.
Ou seja, a devolução (ou cumprimento do plano de cargos e salários) não irá aumentar despesa. Como apurou o blog na Fazenda, o governo fica com R$ 78 milhões anuais dos subteto. Diferente da narrativa pública dos R$ 600 milhões.
Um dia após publicado no Diário da Assembléia o Projeto 577/2023 – que reajustava o salário do governador para R$ 29,4 mil - o deputado Valdemar Junior (Republicanos, como o governador) protocolou ontem uma emenda modificativa a este projeto, elevando para R$ 35 mil o salário do governador. Uma encomenda política, deduz-se, para distensionar a animosidade com os do subteto.
Os mesmos que começaram ontem a se mobilizar (fizeram manifestação na Praça dos Girassóis) por uma greve que poderá paralisar hospitais, segurança e arrecadação de impostos.
E ainda é só o primeiro ano do governo só de Wanderlei Barbosa. O ambiente de governança e de política é muito bom para o Chefe do Executivo. Mas se não filtrar as idéias de seus "Rasputins", pode consumir seus ativos para debelar passivos criados não pela oposição. Mas pelo seu próprio establishment.
A ver.
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